Apesar de estarmos a partilhar o espaço com mais 15 peregrinos conseguimos descansar e acordar relativamente cedo, mas já com a maioria dos caminheiros no caminho. O nevoeiro e o frio que apareceram durante a noite ainda se mantinham de manhã. Antes de começar a etapa, tomamos um pequeno-almoço improvisado no complexo desportivo de Bolo Celta (uma espécie de bowling ao ar livre das Astúrias), com carcaça asturiana e fatias de fiambre com quase 100g empurrados a sumo.
Enquanto as pernas se habituavam à temperatura seguimos por estrada, passando por Borres, onde tínhamos pensado passar a noite e subindo para La Mortera. Ao longo do caminho até Santiago encontram-se diversos locais onde o caminho se divide e há a possibilidade de escolher entre percursos diferentes. La Mortera coincide com o inicio de um dos percursos que mais nos haviam recomendado: a rota dos Hospitais, um percurso de montanha que ganhou esse nome por passar por dois hospitais que ali existiram, e de que agora restam algumas ruínas, sendo o mais antigo do séc. XV.
No início da subida cruzamo-nos com os primeiros peregrinos a pé.
O nevoeiro continuava cerrado e ameaçava não deixar ver a paisagem desta variante do caminho. Finalmente, por volta dos 800m de altitude a neblina ficou para trás, e sentimos que tinha valido a pena ter escolhido aquele percurso.
Depois de ultrapassadas as primeiras ruínas apanhamos a primeira grande subida feita, com algum custo, a pé até atingirmos um pequeno planalto com alguns pinheiros onde aproveitamos para fazer uma pausa à sombra. Os peregrinos a pé não nos davam tréguas neste terreno tão inclinado e chegaram passados alguns minutos.
O terreno acidentado obrigava a que parte das subidas tivesse de ser feita a pé.
Finalmente o caminho voltava a ser ciclável, um pouco antes das ruínas do segundo hospital e assim continuou durante alguns quilómetros.
Um a um, os restantes peregrinos ficaram para trás, dando-nos incentivo e desejando continuação de bom caminho, um ou outro provavelmente pensando porque não se tinham lembrado de trazer uma bicicleta.
Depois de um sobe e desce constante, sempre acima dos 1100m, chegamos ao alto de Puerto de Palo Aí, depois de alguma hesitação (a vontade de seguir por terra era muita), seguimos o conselho que nos tinham dado nessa manhã, para não tentar fazer de bicicleta o caminho marcado mas antes para seguir por estrada até Berducedo. Demos o valor a esse conselho quando nessa noite alguns peregrinos a pé nos contaram as dificuldades que tinham passado nessa descida.
Um café ao pé da estrada foi o pretexto para nova paragem, agora para almoço, sendo o prato principal a bela da carcaça mas agora com atum. Em Berducedo voltamos a seguir as marcações. Depois de novo sobre e desce em terra e asfalto alcançamos um novo topo.
Este portão, um dos muitos que abrimos durante este caminho, dava acesso ao que seria a descida do dia.
Uma descida de mais de 7km com uns 700m de desnível. Uma descida alucinante praticamente sempre em single-track, já que mesmo no inicio onde o caminho é mais largo as pedras soltas não deixam margem para as bicicletas circularem fora da trajectória limpa. Para não destoar dos dias anteriores houve um furo, no pneu do costume, provocado por um desvio em alta velocidade contra uma dessas pedras mais afiadas. Enquanto uns se dedicavam à mecânica outros chegavam, em êxtase, ao fim da primeira parte da descida.
Na parte final um pequeno bosque de castanheiros proporcionou para mais uns minutos de diversão com mais um bom single-track.
O caminho termina praticamente em cima da barragem de Grandas de Salime e daí segue por estrada, numa subida interminável até à povoação com o mesmo nome.
A partir dai começamos a pensar onde terminar a etapa, já que tínhamos a opção de ficar em Castro, um pouco à frente ou seguir para Fonsagrada (muito mais à frente).
Acabamos por decidir avançar até onde nos fosse possível, fazendo a gestão da pouca água disponível e aproveitando algumas macieiras mais acessíveis para irmos recolhendo algo que comer.
A seguir a Penãfuente a indicação de que faltavam ainda 10km para o destino do dia. Resistindo ao asfalto continuamos a seguir as indicações subindo mais um topo em single-track. Na descida, um marco simbólico para nos lembrar que estávamos cada vez mais perto: uma pedra assinalava a despedida das Astúrias e das suas montanhas e a entrada na Galiza.
Até chegar a Fonsagrada ainda houve tempo para fazer alguns trilhos engraçados.
Lá descobrimos que, ao contrário do que pensávamos, não havia albergue. Um pequeno telefonema para o albergue de Padrón, a pouca distância e confirmamos que ainda havia vagas.
Chegamos ao albergue praticamente ao pôr-do-sol, com 75km feitos. Este albergue é uma pequena casa rústica, com paredes caiadas, chão e escadas de madeira, as inevitáveis camas de beliche, mas com todas as condições para os peregrinos, incluindo uma cozinha equipada com o suficiente para se fazer uma refeição. Apesar de não termos mais para comer do que algumas maças que ainda sobravam contamos com a solidariedade dos peregrinos que vão passando pelo albergue: seguindo uma receita secreta o Daniel brindou-nos com uma refeição de arroz com polvo (o polvo, em lata, adquirido na máquina de venda automática que estava à porta do albergue).
Lições aprendidas:Não adianta ter o bolso cheio de notas ou cartões quando a máquina de venda só aceita moedas.
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